Para
os que buscam os saberes do corpo, Gilles Deleuze e Félix Guattari propõem, no
volume 3 de sua obra “Capitalismo e Esquizofrenia”, o seguinte exercício: que
criemos para nós mesmos um “corpo sem órgãos”. E dizem que trata-se de “uma
questão de vida ou morte, de juventude e velhice, de tristeza e alegria”. Consiste
em concentrar-se no corpo como “tão-somente um conjunto de válvulas, represas,
comportas, taças ou vasos comunicantes...” Como uma “metrópole que é preciso
manejar...” “O que povoa, o que passa e o que bloqueia?” Este corpo sem órgãos
só poderia então “ser ocupado, povoado por intensidades. Somente as
intensidades passam e circulam... Matéria é igual a energia... Os órgãos
somente aparecem e funcionam aqui como intensidades puras.”
UM
CORPO DE INTENSIDADES
Falamos
aqui portanto de uma compreensão de corpo que não estaciona na leitura dos
órgãos, ou na tentativa de manipulá-los desta ou daquela maneira, mas se amplia
à compreensão das sensações geradas por esta leitura ou manipulação, e que
podem também ser percebidas em estado de relaxamento voluntário (Savasana).
Ora,
não deve ser tão difícil, já que a matéria de que é composto um corpo adulto é feita de 70% água, substância absolutamente
flexível e permeável. Porém ocorre que nossa mente não é feita da mesma
natureza, e sim de uma outra muito mais sutil ainda. E frequentemente encontramos
nossa mente enrijecida, com medo de sua própria existência sutil e fugidia, com
medo de ficar neste lugar desconhecido e fugidio à compreensão racional, com
excesso de desejo por controle. O que produz, via de regra, um corpo físico enrijecido.
E
O QUE TEM A LUA A VER COM ISSO?
A lua é o satélite
natural da Terra, o que quer dizer que ambas estão em constante e intensíssimo relacionamento.
A lua, entre outras coisas, interfere (para não dizer rege), as águas de nosso
planeta. Quem costuma frequentar o litoral sabe perfeitamente que a lua manda
nas marés. E quem já observou com atenção a si mesmo norteando-se pelas fases
da lua, sentiu que seus humores mudam conforme a lunação. Ou seja, a lua
interfere em nossas “marés internas”, de uma forma muito sutil e fugidia, quase
imperceptível aos menos atentos.
“Bendita seja a
inconstância da lua – o encanto, o espanto, o portento de suas propositadas
dissimulações e revelações; a repartida variabilidade de sua sombra e da sua
luz. Como tranquiliza a cadência do tempo lunar, seus ajustes de aumento e
necessária diminuição. Como é poderosa a ‘predominância noturna’(James Joyce)
da lua e do modo particular de consciência em que pensamos como ‘lunar’. São
incontáveis os encantos da lua: o modo como objetos e espaços, comuns durante o
dia, assumem uma tranquila essencialidade ao luar; o modo como a lua se
refletirá num rio e as inúmeras liquidezes físicas, emocionais e mentais dos
seres vivos... Como suas esplêndidas passagens podem incitar à inclinação
criativa, espiritual, mágica, sexual, profética e lunática... Sendo o corpo
celestial mais próximo da Terra, a familiaridade com a lua com este planeta
manifesta-se nos domínios das antigas divindades lunares... A Deusa Hator com
cabeça de vaca, cujo leite alimenta o mundo; a Ísis de manto negro, cuja
radiação enevoada cuida das sementes felizes sob o solo... A lua preside a
concepção, gestação e nascimento, aos ciclos agrícolas de semeadura e colheita,
a toda a transformação em ser. É a dona da umidade, dos líquidos da vida
incluindo a seiva, a saliva, o sêmen, o sangue menstrual, o néctar e os venenos
das plantas e animais... o fluxo e refluxo de todas as massas de água” (1).
CHEIA E LUMINOSA X VAZANTE
E OBSCURA
“Quando cheia e radiante,
o ‘círculo sem mácula’ (Tu Fu, ‘Lua cheia’) é o símbolo budista da
tranquilidade e da verdade perfeita.” Na cheia, temos um momento ideal para
abrir as comportas, deixar emergia, trazer à luz nossas entranhas. É o momento
de deixar o plantio florescer, dar-se em fruto. “‘Qualquer pessoa é uma lua’,
escreveu Mark Twain, ‘e tem um lado obscuro que não mostra a ninguém’. Para os
alquimistas, é tarefa do perito navegar o território da alma sem mapa, e
trazê-lo, tanto quanto possível, à consciência. Os perigos da empresa são
intrínsecos... o perito pode emergir do lado distante da psique iniciado no
autoconhecimento, ou ver-se irrecuperavelmente perdido na escuridão. (1)”
Por isso nos cabe boa
orientação, de um professor, mestre, tutor ou algo que o valha, nesta empresa
da jornada ao autoconhecimento, de modo que este seja consequência do
aprendizado do autocuidado, do ‘exercício de si sobre si mesmo’(2). Um mestre
que possa propor, conduzir e auxiliar-nos nas leituras de práticas de cuidado
de si.
A LUA CHEIA, O ÚTERO E O CONCEITO DE
FERTILIDADE
“Selene, a ‘brilhante’
ainda cuida de nós com seu olhar feminino. Na invisibilidade da lua nova de
Hécate, a bruxa, ainda guarda os segredos da morte e da regeneração. E Ártemis,
a caçadora virgem, ainda esquadrinha os céus com cães de caça estelares a seus
calcanhares. A lua continua a ser amiga e musa da Terra... E ainda, na noite
estrelada, a ‘mesma glória clara se estende por dez mil milhas’ (Tu Fu, ‘Full
Moon’).
O útero, com seus
‘mistérios transformativos’ (1) e poder criativo, apresenta-se como, no mínimo,
interessante metáfora à lua cheia, bem como à própria Terra, ‘o útero primário’
(1). Sendo assim, lua e Terra se uniriam em gestação para a criação dos seres. É
claro que nesta metáfora não está reduzida simplesmente a idéia de fertilidade
como o fabrico de um ser humano, mas tanto de fabrico como manutenção de todas
as possibilidades de existência. Seja de um ser humano, de uma nova idéia, um
projeto, uma empresa. Entendemos aqui portanto fertilidade como abrangente possibilidade
de vida, solo fértil.
“Os templos indianos têm
como santuário central uma garbhagriha
ou casa-útero onde a pessoa recebe a darshan,
uma visão luminosa do divino. No simbolismo védico, o fogo está escondido na
madeira como num útero, e depois é produzido num fogo ritual, tal como o
espírito divino está escondido no interior, e depois é produzido através da
meditaçãoo e cânticos Om. ‘Onde o fogo é agitado... é onde a mente é formada’(Upanishade
Svetasvatara, I.13-14, II.6). Os hinos védicos de Hiranya-garbha, o Útero
Dourado ou Embrião Dourado, o Divino radiante que se manifesta através de toda
a criação (Rig Veda X.121)” (1).
YOGASANAS E FERTILIDADE
Então algo só pode ser
fértil de está em equilíbrio e portanto saudável. Mas, se quisermos ainda falar
estritamente da fertilidade fisiológica, como a possibilidade de conceber um
feto, encontramos as sábias palavras: “Do ponto de vista yóguico, o tempo antes
de uma criança ser concebida é tão importante quanto a gestação de fato. Uma
vez que você decide engravidar, você deve se prepara com uma dieta balanceada,
e desistir de álcool, drogas, nicotina e cafeína. E isso não é apenas
recomendável para a mulher, mas para o homem. A decisão deve ser tomada por
ambos, que têm que se preparar holisticamente à maternidade e à paternidade. É
aconselhável que não só a mulher mas o homem também pratique yoga, afinal, o
que é bom para a pélvis feminina e seus órgãos reprodutores, é claro que é bom
bom também para a pelve masculina e seus órgãos reprodutores. A prática do Yoga
com este foco vai otimizar a circulação sanguínea na pelve e órgãos
reprodutores. Vai tonificar a coluna vertebral e consequentemente o útero, e
potencializar e fertilidade. Mentalmente, Yoga cria equilíbrio emocional. É
importante ajustar a prática de Asanas ao seu ciclo menstrual. Para a mulher
que deseja engravidar, este ajuste é um pré-requisito à concepção ou mesmo para
quem deseja a fertilização in vitro” (3).
‘Ajustar a prática de
Asanas ao seu ciclo menstrual’ significa escolher e praticar atentamente e com
a devida atenção ao alinhamento apropriado para seu corpo físico, os Asanas
adequados para o período menstrual; que são diferentes dos adequados para o
período pré-ovulatório (preparando o solo); que são diferentes dos adequados
para o período pós-ovulatório, evitando tudo o que possa causar aborto e
equilibrando a glândula tireóide (já que uma deficiência nas funções desta
glândula pode causar aborto). E se você ainda não engravidou, é necessário
cuidar de todo o equilíbrio hormonal, osteomuscular, articular e mental nos
períodos pré e pós-menstrual.
A base deste trabalho é criar
aterramento e equilíbrio físico e mental: ao mesmo tempo em que contempla suas
fases mensais, observa as fases lunares. É muito bom se você menstrua na lua
nova, porque estará fértil na lua cheia, alinhando suas potencialidades
internas às marés do planeta. Costumo dizer que menstruar na lua cheia é como
tentar meditar no meio de uma festa: é possível se você realmente quiser ou
precisar, mas não é o mais propício ou favorável.
Temos casos de
praticantes que, só pelo fato de começarem a praticar com este respeito a seu
ciclo, em três meses tiveram seu período fértil deslocado da lua nova para a lua
cheia. “É uma maravilha e nos surpreendemos com a simplicidade deste fenômeno. Mas
por que é que nos surpreendemos? Porque estávamos de fato bem desconectadas da
importância deste alinhamento”, diz uma das praticantes.
Então, direciono agora
minha fala especificamente para praticantes e professores do método Iyengar,
que já conhecem e amam o cuidado com os alinhamentos internos ao seu corpo
físico e mental: ajustar sua prática de Asanas ao ciclo menstrual vem do mesmo
cuidado: alinhar as partes para harmonia do todo, que é a natureza da qual
fazemos parte.
PRÓXIMO CURSO, NA LUA CHEIA DE ABRIL:
TEMA > YOGA PARA MULHERES: Yogasana + ciclo lunar + feminino: saberes ancestrais unidos para um solo
fértil (físico, mental e espiritual) da mulher contemporânea.
data > sábado 27/04, 9h a 13h
inscrições > 11-999955769.
Mail: contato@iyengaryogasaopaulo.com.br
info > fabirodriguesyoga.blogspot.com.br/
Foto acima: Vaso de barro com relevo de mãos na barriga, 4.850 a.C., Lepenski Vir, Iuguslávia.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(1) KOBLER, F. (2010). Criação
e cosmo. O livro dos símbolos – reflexões
sobre imagens arquetípicas, Colônia, p. 26-28, 2012.
(2) FOCAULT, M. (1984). A
ética do cuidado de si como prática da liberdade. Ditos & escritos – V – Ética, Sexualidade, Política, Rio de
Janeiro, 2004.
(3) IYENGAR, G.S.; KELLER, R.; KHATTAB, K. Preparing
for Pregnancy. Iyengar Yoga for
Motherhood – Safe Practice for Expectante and New Mothers. New York, p. 14,
2010.
Que bom que você voltou a escrever!
ResponderExcluirAbração
Que bom! Voltamos ao período de partilha. Bjs
ResponderExcluirMuito bacana, Fabi! E tudo tão alinhado com o que tenho lido sobre fertilidade e medicina chinesa.
ResponderExcluirTudo levando para o mesmo destino: reconexão. Com nossos atos, nossas palavras, nossos pensamentos, nossos corpos, nossa única natureza, que é a mesma natureza do universo. Namastê, Lu Cury