A sociologia da saúde

“Por aproximadamente 200 anos as ideias ocidentais dominantes sobre a medicina foram expressadas no modelo biomédico da saúde. Este entendimento de saúde e doença se desenvolveu juntamente com o crescimento das sociedades modernas. De fato, ele pode ser visto como um dos principais aspectos destas sociedades. Sua emergência estava intimamente relacionada com o triunfo da ciência e da razão sobre explicações tradicionais ou religiosas para o mundo (vide discussão de Max Weber sobre a racionalização)... (GIDDENS, 2012).”

Para compreender melhor o modelo biomédico, consideremos o contexto social em que surgiu. Os tratos com a saúde nas sociedades tradicionais “baseavam-se em remédios, tratamentos e técnicas de cura populares, que eram passadas de geração para geração. Doenças costumavam ser consideradas em termos mágicos ou religiosos, e eram atribuídas à presença de espíritos do mal ou ‘pecado’. Para os camponeses e moradores comuns da cidade, não havia autoridade externa que se ocupasse com sua saúde, na forma dos Estados e sistemas de saúde atuais. A saúde era uma preocupação privada, e não uma questão pública.
A ascensão do Estado-Nação e a industrialização [...] gerou uma mudança nas atitudes para com as pessoas locais, que já não eram apenas habitantes da terra, mas uma população submetida ao governo de uma autoridade central [...] vista como um recurso a ser monitorado e regulado como parte do processo de maximizar a riqueza e o poder da nação. O Estado começou a ter um interesse maior na saúde da população, pois o bem-estar de seus membros afetava a produtividade. [...] O censo foi introduzido para registrar e monitorar as mudanças que ocorriam [...] (como) taxas de natalidade, mortalidade, casamento, suicídio, expectativa de vida, dieta, doenças comuns, causas de morte e assim por diante (GIDDENS, 2012).”

“Michel Focault (1926-1984) fez contribuição influente para a nossa compreensão da ascensão da medicina moderna, [...] a regulação e educação para o corpo pelos Estados europeus (1973). [...] a sexualidade e o comportamento sexual [...] maneira como a população poderia se reproduzir e crescer, e uma ameaça potencial à saúde e bem-estar. A sexualidade desconectada da reprodução era algo a ser reprimido e controlado (GIDDENS, 2012).”

“A ideia de saúde pública tomou forma na tentativa de erradicar patologias da população – o ‘corpo social’. [...] Toda uma série de instituições, como prisões, albergues, asilos, escolas e hospitais, emergiu como parte do movimento para monitorar, controlar e reformar pessoas (GIDDENS, 2012).”

“A doença passou a ser definida de maneira objetiva, em termos de ‘sinais’ objetivos identificáveis no corpo, ao contrário de sintomas que o paciente sentia. O tratamento médico formal por ‘especialistas’ formados se tornou a forma aceita de tratamento para doenças físicas  ementais (GIDDENS, 2012).”

MODELO BIOMÉDICO
Premissas
Críticas
A doença é um desarranjo do corpo humano, causada por um agente biológico específico.
A doença é uma construção social, e não algo que possa ser revelado pela “verdade científica”.
O paciente é um ser passivo, cujo “corpo doente” pode ser tratado separadamente de sua mente.
As opiniões e experiências do paciente com sua doença são cruciais para o tratamento. O paciente é um ser ativo e “integral”, cujo bem-estar geral – e não apenas a saúde física – é importante.
Os especialistas médicos possuem “conhecimento especializado” e oferecem o único tratamento válido para as doenças.
Os especialistas médicos não são a única fonte de conhecimento sobre a saúde e a doença. Formas alternativas de conhecimento são igualmente válidas.
A arena apropriada para o tratamento é o hospital, onde a tecnologia médica está concentrada e é mais bem empregada.
A cura não precisa ocorrer em um hospital. Os tratamentos que usam tecnologia, medicação e cirurgia não são necessariamente superiores.
Fonte: GIDDENS, 2012. P 284

“Ivan Illich (1975) chegou a sugerir que a medicina modera havia feito mais mal do que bem por causa de iatrogênese, ou ‘doenças autocausadas’.” (GIDDENS, 2012) Os três tipos de iatrogênese descritas por Illich são clínica, social e cultural. Na clínica o tratamento médico deixa o paciente pior ou cria novas condições. Na social a medicina se expande para novas áreas e cria demandas artificial por seus serviços. Esta, leva à iatrogênese cultural, na qual a capacidade de lidar com obstáculos da vida cotidiana é reduzida ou desacreditada por explicações médicas. Um bom exemplo de iatrogênese são os inúmeros relatos de gestantes e parturientes sobre intervenções médicas no processo do parto, que tantas vezes se mostram precipitadas pela escolha de cesariana quando, na verdade, bastava o auxílio de uma parteira experiente para realizar manobras como o desenrolar do cordão umbilical do pescoço do bebê ou mesmo massagens suaves que auxiliam o ‘encaixe’ do feto na pelve, posicionando-o adequadamente para o parto natural.
É claro que pesquisas e avanços tecnológicos da medicina moderna trouxeram inúmeras facilidades para o tratamento e a cura de algumas patologias, mas para críticos como Illich, o âmbito da medicina convencional deveria ser amplamente reduzido. Segundo estes críticos, o “tratamento efetivo somente pode ocorrer quando o paciente for tratado como um ser pensante e capaz, com suas próprias compreensões e interpretações da vida (GIDDENS, 2012).”
Neste contexto, práticas ancestrais desenvolvidas por civilizações orientais, que por serem mais antigas que as ocidentais tiveram mais tempo de aprimorá-las, têm sido progressivamente resgatadas, chamadas de “medicina alternativa”, e incluídas em instituições que durante a modernidade foram consideradas centros de excelência do modelo biomédico, como hospitais e unidades de atendimento básico à saúde, entre outros. Profissionais experientes em homeopatia, acupuntura e fitoterapia são hoje parte das redes credenciadas e  catálogos de planos de saúde.
Há ainda um caminho a ser traçado pelo Yoga neste sentido. O impacto de suas práticas no corpo-mente dos sujeitos, interligando-lhes todos os seus sistemas, está registrado não só em inúmeros textos antigos, desde os filosóficos como os Yoga Sutras de Patãnjali, até mais pragmáticos como Hatha Yoga Pradipika, mas também em teses de cunho acadêmico em grandes universidades contemporâneas como Berkley, na Califórnia (EUA). Estes centros de estudo já chegaram a incluir mestres de meditação como parte do corpo docente. A UCR – University of California Riverside oferece o Programa de estudos especializados em Yoga (Fundamentals of Yoga Specialized Study Program), certificado pelo método Iyengar Yoga.
No Brasil encontram-se algumas iniciativas isoladas. A boa notícia é que foi aprovada uma lei, inclusa na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que prevê o atendimento ao público com práticas de cuidados integrativos, ou seja, os saberes e cuidados tradicionais com a saúde física, mental, emocional e espiritual. Assim, a rede pública pode oferecer como atendimento à população, cuidados e tratamentos como acupuntura, chi kung, reiki, dança circular, ervas, meditação, massagens, entre outros tratamentos, antes chamados de alternativos e que agora são entendidos como complementares. Esta é a transição do modelo biomédico para o pensamento integrado. Não é preciso descartar nenhum saber conquistado, apensas integrá-los, usando-os com parcimônia, conforme a necessidade.
O problema ainda parece ser o senso crítico na hora da escolha pelo tipo de tratamento por parte dos indivíduos. Seja quando  sujeito está na “pele”  de quem será beneficiado, seja quando está na “pele” de  terapeuta ou médico. Esta sabedoria se constrói pela experiência. Permita-se conhecer os recursos disponíveis.  
Referencial bibliográfico: GIDDENS, A. Sociologia. 6ª ed. Porto Alegre: Penso, 2012.