Ilustração: Fabiana Rodrigues Barbosa. |
Você
acorda de manhã e quando vai se espreguiçar nota seu corpo estranhamente mais
rígido que de costume. Faz uma varredura na memória tentando encontrar razões
físicas. Não encontra nada. Levanta-se, vai até a cozinha, bebe água. Ainda um
pouco sonolento deixa cair algo no chão. Abaixa-se pra pegar, e agora um pouco
mais acordado, percebe os músculos das pernas, abdômen e das costas teimosos, cansados,
não respondem adequadamente. Segue o mistério. Uma gripe? Noite mal dormida? Não.
Você está se esquecendo das causas emocionais. Uma discussão, uma preocupação
aguda com alguém, um episódio de angústia são algumas das emoções que podem
causar rigidez e fadiga muscular.
Na
última vez em que estive em Pune, Índia, estudando no RIMYI[1],
ouvi de BKS Iyengar[2],
ao ensinar um dos professores do Instituto, que sua perna estava prepotente,
que se recusava a cooperar no Asana[3].
Aquela perna preguiçosa, parecia satisfeita com o próprio desempenho e,
iludida, havia estagnado num patamar aquém de suas possibilidades. Sr. Iyengar
inquiria severamente o professor se pretendia continuar permitindo que isso
ocorresse.
Usar
para partes do corpo adjetivos geralmente empregados para personalidade ou
comportamento das pessoas é um interessante recurso para estimular a conexão
corpo-mente. Este excelente professor ao qual Iyengar se dirigia, também excelente
praticante, não estava percebendo que há anos executava aquele Asana sem
conseguir a máxima cooperação de sua perna. Ele achava que estava comandando àquela
parte do corpo que fizesse o que ele queria, mas não estava. A perna permanecia
com áreas escuras, sem luz, sem penetração da consciência. Ou seja, havia
ainda, mesmo depois de anos a fio refinando sua prática, partes de seu corpo
ainda na obscuridade, que impediam que ele se desenvolvesse ainda mais e
expandisse em graus mais elevados sua consciência de si.
Quando
ao praticar procuramos observar com olhar interno atento, o olhar dos poros da
pele abertos, e tentamos identificar com adjetivos as partes de nosso corpo,
podemos romper esta barreira. Por exemplo, há joelhos excessivamente
permissivos, o que resulta em hiperestensão. Há ombros intransigentes, o que
resulta em rigidez nesta articulação, e geralmente um peito fechado, trapézios
tensos, respiração curta e superficial. Há corpos pouco assertivos, em que a musculatura não se
encontra aderida aos ossos e sim espalhada pra longe deles, frouxa. São corpos com pouca sustentação, onde os ossos não têm direção clara, estão soltos, talvez assim
como os propósitos daquela mente não estão aderidos à essência da subjetividade
daquela pessoa ou, ainda um pouco menos grave, alguns aspectos do comportamento
diário não estão exatamente em concordância com seus propósitos mais profundos.
Há cotovelos passivos, que não sabem resistir, ao mesmo tempo que não sabem
contar com a colaboração de seus vizinhos bíceps e tríceps para, com forças
reunidas, sustentar braços firmes, que ajudam a posicionar escápulas, pescoço e
cérebro, o que resultaria numa mente mais focada. E o que é que se pode
construir na vida sem foco?
Poderíamos
seguir por minutos a fio a encontrar íntimas relações entre corpo físico
e atitude mental. E isso ocorre pelo simples fato de que CORPO É MENTE. Trata-se
de um princípio da neuropsicologia chamado Monismo.
Assim,
neste exercício de refinamento de conexão mente-corpo, partimos de perguntas
como “Que pulsão habita meu corpo agora?”, “Qual devir se encontra manifesto na postura
de minha coluna vertebral?”, “Se minha cabeça tende sempre a inclinar-se
adiante do resto de meu corpo, chegando antes dele, qual devir está aí agindo?”,
“Quando tenho a musculatura das costas ao mesmo tempo tonificada e relaxada, consigo
manter por muito tempo, de maneira contínua e com pouco esforço minha cabeça em
linha com o resto da coluna vertebral, meu cérebro é melhor oxigenado e tenho um
centro claro, qual pulsão aí tende a habitar? Que devires se manifestam com
mais frequência?”
É
claro que nada disso é simples, pois os aspectos de nossa subjetividade acendem-se
e apagam-se de maneira complexa, misturando tintas, produzindo meios tons, memórias
misturando-se com percepção do tempo presente, sombras semi-permeadas de luzes.
Nada é definitivo, estamos o tempo todo em construção. Nossas experiências formam
quem somos, disse John Locke[4].
Yoga
é um exercício de empirismo. Tem como base esta crença, que ao longo dos
séculos vem tornando-se científica graças e estudiosos de veia ao mesmo tempo experimental
e acadêmica. Estes estudiosos, pensadores, professores de áreas do saber como a
filosofia, a neurociência, a psicologia cognitiva, os estudos motores,
bioenergéticos, entre outros, vêm produzindo e publicando subjetividades caras
ao desenvolvimento humano. Figuras como os pré-socráticos sofistas Protágoras e
Górgias, Spinoza, o próprio Locke, Focault, Deleuze, Guattari são essenciais. A
atual psicologia
comportamental, que dá ênfase às interações
entre as emoções, pensamentos, comportamentos e estados fisiológicos, chega ao
ponto de postular a não existência da mente e concebe o ser humano como um todo,
e tem como base teórica a atuação dos psicólogos behavioristas Edward L.
Thorndikel e John Watson.
B.F. Skinner fundou uma das filosofias que embasam a análise
experimental do comportamento. Dizia que o organismo teria três tipos de comportamentos:
o padrão fixo de ação; o comportamento respondente (100% inatos) e o operante
(100% aprendidos). Segundo Skinner, o homem será influenciado por fatores
filogenéticos, ontogenéticos e culturais, tendo como parâmetro teórico o selecionismo
de Charles Darwin.
Ora, sabe-se na genética contemporânea que o padrão genético de
um indivíduo não o determina, ou seja, os genes podem ou não se expressar. No
que implica a expressão ou não destes genes? Todas as teorias citadas acima,
bem como o Yoga, acreditam que as combinações entre nossas escolhas, ações,
pensamentos e mapa genético é que constroem quem somos, empiricamente.