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A iustração acima representa bem a questão das couraças, termo apropriado pela psicologia, cujo significado original era o de uma armadura utilizada por cavaleiros na Idade Média para defesa do corpo. Sua primeira confecção – da qual a história tem registro – foi em couro, daí o seu nome.
A linha da psicologia que se apropriou do termo foi especificamente a Psicologia Corporal, que estuda manifestações comportamentais e energéticas da mente sobre o corpo e vice-versa, tratando-as em seu conjunto e em sua relação funcional. Um de seus maiores expoentes, Wilhelm Reich, descobriu que cada atitude de caráter tem uma atitude física correspondente e que o caráter do indivíduo é expresso corporalmente sob a forma de rigidez muscular ou couraça muscular. Reich começou, com a aplicação de técnicas de análise de caráter e das atitudes físicas. Ele analisava em detalhes a postura de seus pacientes e seus hábitos físicos a fim de conscientizá-los de como reprimiam sentimentos vitais em diferentes partes do corpo.

O CORPO-MENTE
O corpo físico tem uma inteligência própria. A mente está no corpo todo. Todas as estruturas do corpo humano contêm células neuronais. Se você já ouviu frases como estas, saiba que segundo a tese fundamental da bioenergética, por Alexander Lowen (discípulo de Reich) e Leslie Lowen em Exercícios de bioenergética – o caminho para uma saúde vibrante, “corpo e mente são funcionalmente idênticos, isto é, o que ocorre na mente reflete o que está ocorrendo no corpo, e vice-versa... Por exemplo, é quase impossível uma pessoa que está deprimida emergir de sua depressão por meio de pensamentos positivos, pois seu nível de energia está rebaixado. Quando seu nível de energia for aumentado por meio da respiração profunda (que estava reduzida, junto com todas as outras funções vitais) e as sensações e sentimentos forem liberados, a pessoa sairá do estado de depressão... Rigidez ou tensão crônica diminuem a vitalidade da pessoa e rebaixam seu nível de energia. Ao nascer, o organismo está em seu estado de maior vitalidade e fluidez; ao morrer a rigidez é total (rigor mortis). Não podemos evitar a rigidez que vem com a idade, mas podemos evitar a rigidez resultante das tensões musculares crônicas, resultantes de conflitos emocionais não resolvidos". É preciso “entrar em contato com as tensões e liberá-las por meio de exercícios apropriados... O objetivo é manter as vibrações (corporais) num nível estável e sutil quando a excitação aumenta ou a tensão cresce. De fato, aumenta-se a tolerância do corpo para a excitação e o prazer. Para se chegar a isso, o ego deve estar seguramente ancorado no corpo. O resultado final é uma pessoa cujos movimentos e comportamento tem alto grau de espontaneidade, são coordenados e efetivos: a qualidade de graça natural... Só se pode desenvolver esta graça natural aumentando a motilidade do corpo e depois fundindo-a com a auto-percepção para atingir um alto grau de auto-conhecimento. A porta para a vivacidade e a graça da pessoa é seu auto-conhecimento.”
APODERAR-SE
Aí entra a capacidade de se “apoderar” de sua existência, que a prática de yoga traz. O mesmo conceito de “apoderamento” é insistente na bioenergética, cuja sensação de contato dos pés com o chão é chamado de grounding, ou aterrar-se. “A pessoa sabe onde está e portanto sabe quem é. Ela tem seu lugar... Trata-se do contato do indivíduo com as realidades básicas de sua existência. A pessoa está firmemente plantada na terra, identificada com seu corpo, ciente de sua sexualidade, orientada para o prazer. O resultado imediato é que aumenta seu senso de segurança.”
Mabel Elswoth Todd, em The thinking body, observa: “o homem tem se tornado absorvido pelas porções superiores de seu corpo, em busca de objetivos intelectuais, de desenvolvimento de habilidades manuais e verbais. Isto, além de falsas noções relativas à aparência e à saúde, transferiu o senso de poder da base para o topo de sua estrutura. Neste uso da parte superior do corpo para as relações de poder, ele inverteu o costume animal e perdeu em grande extensão tanto a acuidade sensorial animal quanto seu controle de poder, centralizado em seus músculos espinais e pélvicos inferiores.”
“Reconhecemos a cabeça como o foco do ego, o centro da consciência e do comportamento voluntário. Em contraste, o centro inferior ou pélvico... é o centro para a vida inconsciente ou instintiva... Quando percebemos que não mais de 10% de nossos movimentos são conscientes e 90% são inconscientes, a importância deste centro torna-se evidente”, diz Lowen.

O CORPO JUBILOSO
Em “O corpo jubiloso: a carne selvagem”, um dos capítulos de Mulheres que correm com os lobos, a psicanalista arquetípica junguiana Clarissa Pinkola Estés diz que na psique instintiva o corpo é considerado um sensor, uma rede de informações, mensageiro com uma infinidade de sistemas de comunicação – cardiovascular, respiratório, ósseo, nervoso, vegetativo, bem como o emocional e o intuitivo... O corpo se lembra, os ossos se lembram, as articulações se lembram... A memória se aloja em imagens e sensações nas próprias células. Como uma esponja cheia d’água, em qualquer lugar em que a carne seja pressionada, torcida ou mesmo tocada com leveza, pode jorrar dali uma recordação... Há que se compreender o corpo como uma série de portas, sonhos e poemas por meio dos quais podemos obter todo tipo de aprendizagem e conhecimento. Na psique selvagem, compreende-se o corpo como um ser por seus próprios méritos, que nos ama, depende de nós, para que, de vez em quando, somos mãe (ou pai) e que, outras vezes, representa mãe (ou pai) pra nós”.
Durante uma prática de yoga concentrada, com a mente presente no que se pratica, é possível se dar conta de onde estão seus bloqueios. Experimente, ao invés de jugá-los, simplesmente ir adiante, abandonar as resistências da mente e deixar o corpo entrar na postura, explorando novos aspectos dela. Realizar a ação como se fosse sua primeira vez. De forma límpida e despida. E além de simplesmente se surpreender com os resultados, o que provavelmente vai acontecer, continue seguindo adiante com a curiosidade e a disponibilidade de um pesquisador. Deixe que seu corpo te diga qual é o limite, e não sua mente.
© ilustraçã: Juan Valverde Amusco (1525-1588). Espanhol que estudou medicina em Roma e Pádua. A ilustração pertence a seu livro Anatomia del cuerpo humano (Roma, 1560). Valverde foi o primeiro a usar gravura em metal (cobre) para imprimir ilustrações anatômicas. Antes dele usava-se xilogravura, que não permite traços tão finos. Outro mestre nesta arte de ilustrar a anatomia humana foi Andréas Vesalius, contemporâneo de Valverde, cujo livro De humani corporis fabrica, de 1543, é um marco.

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